Todas as fotos deste
post são de obras do artista plástico
Paulo Gouvêa. Semana passada li no jornal que ele lançou um livro, numa espécie de
vernissage, e achei bem bacana. Ler sobre isso me fez lembrar de que o Paulo tem uma história curiosa. Ou melhor, eu tenho uma história curiosa com ele.
Ele sempre aparecia nos meus showzinhos e apresentações, era figura carimbada, meio que fã de carteirinha do som da minha banda, elogiava bastante a minha voz e tal. E foi daí que nos conhecemos
(esse povinho da arte sempre dá um jeito de se conhecer e fazer amizade, nunca vi!). Ele se apresentou como pintor e artista plástico, mostrou algumas das obras pra mim (e eu, de cara, já achei uma mais sensacional que a outra!) e, também me falou de algumas animações que ele desenvolvia. Quando soube que eu era jornalista, pediu que eu desse uma força em algumas coisas: a idéia dele era elaborar um projeto, bem organizado e bem escrito, de acordo com a Lei de Incentivo a Cultura, para encaminhar a Prefeitura (ou Governo do Estado, não recordo exatamente). E que eu também encaminhasse uns releases pra uns jornais locais falando sobre o tal projeto. Tratava-se de oficinas de artes para crianças nas escolas públicas, ou alguma coisa assim, e o nosso combinado era: dinheiro vivo ele não tinha pra me pagar, mas se o projeto fosse aprovado, eu receberia alguma coisa pelo meu
trabalho. E também poderia contar com o talento dele, numa espécie de permuta de habilidades, pra banners, clipes, cd de divulgação, ou qualquer moda que eu fosse inventar para o meu som.
Na época, a Prefeitura (ou Governo, continuo não me lembrando!) cortou todos os projetos, porque já tinham sido utilizadas as verbas para educação e cultura naquele ano. A idéia dele só ficou no papel, e continuamos os dois pobres, trabalhando com arte. Lamentei duplamente, por mim e por ele, mas continuei cantando, e ele continuou me assistindo de
vez em quando, e sempre pintando quadros geniais e cheios de personalidade.
(Nem sei se ele se lembra disso, sequer se ele se lembra de mim!
Mas esse foi um trabalho nosso que não foi adiante! Vez ou outra me lembrava dessa história...).
Um tempo em seguida, o Paulo sumiu!
Sei que, um ano e tanto depois disso (pouco mais, talvez), fui assinar um documento com o gerente do meu banco, e foi onde reparei: nos cartazes, folhetos, máquinas de caixa eletrônico, em tudo, algumas bonequinhas me chamaram atenção de imediato. E eles eram únicas demais pra serem de outro artista- eram mesmo do Paulo Gouvêa! E não é que
o danado conseguiu um contrato com o Banco do Brasil, ilustrando toda a campanha publicitária de 2009??? O cara que tava todo duro, tentando um apoio da Prefeitura (ou do Governo...Droga! Continuo não me lembrando por nada neste mundo!) pra tirar um dinheiro extra um tempo antes, tinha conseguido emplacar sua arte em todo o país, de fora a fora, simplesmente no banco de maior abrangência do território nacional!!!!!
Só lembro de ter soltado em belo e altíssimo som, no meio da agência, um
"Caraaaaaaaaaaaaaaaaaaca, que sensacional!!! As bonequinhas do Paulo!!!!!!", com todo mundo me olhando com cara de "quem é essa doida????"...
Fiquei bem feliz, mesmo!
Por ele, pela arte, pela oportunidade de várias pessoas de virem algo lindo num ambiente insólito, e deprimente, e burocrático que é um banco...porque talentos, enfim, estavam sendo mostrados!
E pouquíssimas coisas me deixam tão entusiasmada quanto talentos revelados, ou pessoas competentes se dando super bem na vida!
Ainda mais quando se trata de um trabalho artístico! Eu sei como é suado montar um espetáculo de ballet clássico, e se mataaaaaar pra correr atrás de um patrocínio que mal paga os gastos com sonorização e cenário...Eu sei como é complicado trabalhar numa peça de teatro, ou na produção de uma peça de teatro, e no fim das contas se ter muito mais a pagar do que a receber, mesmo com 500 mil leis de incentivo a várias coisas artísticas...Eu sei, também, como é penoso ganhar dinheiro com música, enquanto ainda se é um reles mortal anônimo (o caso de 99% dos músicos do país!)...Imagino que deve ser igualmente difícil ser pintor, escultor, desenhista ou escritor, ne
ste nosso mundo de incultos e desletrados...
E é aí que todo mundo comenta que vale bem mais ser médico, advogado, ou engenheiro. Quantas vezes eu já ouvi essas coisas...!
Nada contra nenhuma dessas profissões mais "de elite", teoricamente mais rentáveis (até porque eu, tecnicamente como advogada, jamais falaria mal da minha categoria! Nem de nenhuma outra!), mas muito me irrita essa coisa de "meu filho faz engenharia, meu filho é doutor, meu filho é PhD em não sei o quê", e todo o resto é "vagabundagem de quem não tem o que fazer"...
Cada um com suas habilidades!
E eu costumo dizer que não é uma pessoa que escolhe ser artista; é a arte que já escolhe a pessoa desde que ela nasceu...Alguns nascem pra fazer cálculos, outros pra identificar sons! Alguns vieram ao mundo pra curar pessoas; outros pra colorir a vida de boa parte delas...Cada um nasce com um talento, uma facilidade pra determinada coisa, e tem a árdua e penosa função de desenvolver isso ao longo da vida...Mas, insisto: cada
um com sua habilidade!
E é por isso que também costumo dizer: prefiro criar cartunistas felizes a médicos frustrados! Se algum dia eu tiver um filho com dons pra desenhar, nem vou pensar duas vezes antes de incentivá-lo a lapidar e profissionalizar seus dotes! Da mesmíssima forma se for um talento pra dança, pra música, pra mímica, ou pra o que quer que seja...
E dá pra o trabalho virar coisa de gente séria?? Claro que dá! Só ver pelo Paulo...
Ainda sonho com a arte mais acessível, mais valorizada, mais respeitada...Sonho com o dia em que as pessoas vão entender a arte como trabalho digno, como profissão, sem perguntarem estupidamente "ah, que legal! Você é músico! Mas trabalha com o que???"...
(E só a paciência divina nessas horas!!!)
Não tive a oportunidade de perguntar pro Paulo se ele enriqueceu, mas já pude ver a obra dele em bancos, camisetas, geladeiras, mostras de decoração - muito pobre ele não está!
Mas que seja: a nossa arte vista, divulgada, escancarada não tem dinheiro no mundo que pague!
E que eu possa ver ao trabalho dele em trilhões de outros lugares, como conseguiram Luciano Martins e Romero Britto, por exemplo. Pra também me incluir no sonho, que EU possa viajar pra bem longe, pra uma Europa da vida, e ver a arte dele exposta pro mundo, pra quantas pessoas puderem ver: é NO MUNDO TODO, e PRA O MUNDO TODO, que pessoas ousadas e de talento merecem estar, mesmo...